sexta-feira, 27 de julho de 2012

Resenhando - O que interessa

MAIS DE SETE FACES Drummond nos anos 60: do verso tipicamente modernista à métrica convencional e daí ao flerte com o concretismo (Foto: Nelson Di Rago)
Este 110º aniversário do nascimento de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) tem sido pródigo em lançamentos e homenagens. A Globo acaba de publicar sua correspondência com o romancista Cyro dos Anjos, na qual Drummond mostra uma franqueza ácida, quase nunca vista em textos publicados, na avaliação de escritores seus contemporâneos.
A CosacNaify editou Os 25 Poemas da Triste Alegria, versos inéditos, anteriores à estreia em Alguma Poesia, em 1930. São lançamentos importantes, mas se destinam sobretudo a admiradores inveterados ou a estudiosos acadêmicos de Drummond, que dessa forma têm acesso às suas opiniões mais reservadas e à dimensão, digamos, arqueológica de sua obra.
Homenageado na semana passada na Feira Literária Internacional de Paraty, o poeta mineiro também vem tendo sua obra relançada pela Companhia das Letras (e os livros da editora anterior, a Record, ainda nem sumiram das livrarias).
Mas o livro obrigatório tanto na estante especializada de críticos e poetas quanto nas prateleiras mais ecléticas do leitor comum é Poesia 1930-62 – Edição Crítica (CosacNaify; 1 024 páginas; 179 reais).
Para ser lido de cabo a rabo e depois revisitado com prazer
É a edição cuidada e criteriosa que um autor como Drummond – para todos os efeitos, o poeta central do modernismo brasileiro – exigia fazia muito tempo. Compreende dez livros e praticamente toda a estupefaciante variedade de registros do poeta, do modernismo irônico (mas desde sempre melancólico) de Alguma Poesia aos flertes com o concretismo em Lição de Coisas, passando pela alta poe­sia de teor político em A Rosa do Povo e pelos metros e temas mais “clássicos” de Claro Enigma.
Depois de Lição de Coisas, Drummond embarcaria no longo e rebarbativo ciclo memorialístico de Boitempo, e diluiria a si mesmo em outras tantas coletâneas. Continuou produzindo alguns bons poemas, mas não publicou mais nenhum grande livro de poesia.
Uma edição crítica é aquela que fixa a versão de cada poema que se supõe a mais próxima possível da vontade final do autor e ao mesmo tempo registra todas as suas variantes publicadas ou manuscritas.
Organizado pelo crítico Júlio Castañon Guimarães, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, o livro beneficia-se de um elegante planejamento gráfico, com as variações de cada verso claras e acessíveis no rodapé, mas sempre preservando a legibilidade do corpo do poema.
O preço, 179 reais, parece salgado – mas não quando se considera que, dos dez livros coligidos aqui, a Companhia das Letras lançou só quatro, que já somam 107 reais.
E este é um calhamaço para ser lido de cabo a rabo e depois revisitado com prazer por toda a vida do leitor. Estão lá os antologizados No Meio do Caminho e José – mas também poe­mas extraordinários porém menos citados, como Noturno à Janela do Apartamento, Resíduo, Tarde de Maio, Escada e Ciclo. Em um volume, praticamente tudo o que interessa de Drummond.
E Drummond interessa.

Revista Veja

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