segunda-feira, 30 de julho de 2012

Te Contei, não ? - Zélia, a companheira até o fim


RIO - Eu atravessava a sala quando vi na TV uma cena entre Nacib e Gabriela, da novela da Globo de 1975.

— Mamãe, por que eles estão enrolados num lençol?

— Porque está calor.

A resposta não me convenceu. Assim que consegui dominar a leitura peguei “Gabriela, cravo e canela”, que li (inconsciente, mas baianamente) numa rede. Depois, devorei outros três livros de Jorge Amado. Zélia Gattai veio mais tarde, na época da faculdade. E que refresco foi ler “Anarquistas, graças a Deus”. Ver a realidade da imigração italiana, um dos fatores de transformação do Brasil moderno, de modo tão fluente. Não por acaso, o livro esgotou uma edição após a outra, ganhou prêmio e virou minissérie. Zélia ainda lançou outras memórias, mas o que mais me marcou foi a autora ter escrito sua primeira obra aos 63 anos. Por quê? Tive a chance de perguntar quando ela tomou posse na Academia Brasileira de Letras, na cadeira que por 40 anos foi do seu marido, mas de repente parecia tão sem sentido e tão claro: que as feministas não me leiam, mas Zélia foi a companheirona de Jorge Amado. Nos encontros comunistas, no governo federal, no exílio, nas conversas com Pablo Picasso, no quintal da casa do Rio Vermelho.
Aquela que a família apelidou de atrevida, que cresceu em São Paulo ouvindo seus pais contando histórias (o pai, inventadas; a mãe, reproduções de romances), queria conhecer Jorge depois de ter lido seus livros. Quando conseguiu, em 1945, tudo mudou. Zélia contou em seu discurso de posse na ABL:
“Pela primeira vez eu via Jorge de perto e me encantei. Fiquei pensando: apenas 32 anos, com tantos livros escritos, tantas e tais aventuras. Estava eu perdida em meus devaneios quando o vi estender a mão para mim: ‘Você vai trabalhar comigo...’ Em seguida, segurou-me pelo braço: ‘Venha, me acompanhe, vou ditar um comunicado à imprensa.’ Parou diante de uma máquina de escrever. ‘Sente...’ Ai, meu Deus! ‘Eu não sei escrever à máquina’. Não sabe bater à máquina? Que moça inútil!’ Me contive para não chorar, e ele, percebendo o meu constrangimento, tratou de desfazer a brincadeira: ‘Não pense que vai se livrar de mim assim.’ Jorge sempre me dizia: ‘Ao pousar pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou.’ Desse momento em diante, 56 anos se passaram, e eu continuei a seu lado, acompanhando-o.”

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