Dispostos a acompanhar e discutir as mudanças resultantes da decisão do STF, eles formam uma elite intelectual importante quanto à análise crítica da situação, pois vivenciam no dia a dia o significado das cotas nas universidades
A realidade dentro do campus da Universidade de Brasília (UnB) - pioneira em relação às cotas - permitiu que alguns alunos percebessem a exclusão do negro nas universidades brasileiras antes mesmo da repercussão na mídia sobre a decisão do STF.
Andressa Moreira, estudante de Ciências Sociais da UnB, descreveu uma de suas aulas na turma de Teoria das Relações Internacionais e afirmou que se sente isolada por ser a única aluna negra dentre as 30 pessoas na sala, embora o curso seja um dos mais procurados pelos alunos negros. Para ela, mesmo que a universidade ofereça cotas, "os estudantes negros parecem desaparecer das salas de aulas pela pressão que as cotas exercem, principalmente em pessoas com renda mais baixa, que precisam se sobressair perante os alunos nãocotistas." Um dos grandes responsáveis pela defasagem de alunos negros nas universidades, segundo Andressa, é a qualidade do ensino nas escolas públicas no Brasil, muito fraco. "A maioria dos alunos que ingressa por cotas na UnB, assim como eu, estudou todo o ensino fundamental e/ou médio em uma escola particular. As cotas funcionam muito bem para o ensino superior, pois há uma seleção para ingressar nele. Já na base escolar, a meu ver, somente uma mudança radical em todo sistema educacional brasileiro resolveria a situação", afirmou
Graduanda em Direito na Unipalmares, em São Paulo, Keren Matos apoia a decisão do STF por acreditar que a medida é o caminho mais sensato nesse momento. "É um mal necessário! Um mal porque não deveria haver necessidade de cotas em uma sociedade que tratasse seus cidadãos de forma igualitária, mas, infelizmente, esta não é a nossa realidade", explica.
Um dos argumentos recorrentes entre os alunos parte da ideia de que a decisão do Superior Tribunal Federal está diretamente relacionada à luta do movimento negro na busca por equidade.
Segundo Samuel Araújo, estudante da UnB, a discussão sobre cotas dentro da academia, de maneira geral, consegue ter seus pontos fortes alavancados pelo âmbito em que a própria discussão está ocorrendo, principalmente na UnB, que se destaca pelo pioneirismo da universidade em discutir tais questões. Ele defende, assim como Keren, que as cotas são atualmente uma reparação necessária, principalmente na percepção de como se configuram os espaços de poder. "As cotas, por si só, podem ser vistas como algo pontual. A educação básica deve ser fortificada, proporcionando para todos os brasileiros uma educação de qualidade, mas no meu ponto de vista, as cotas mexem na configuração hierárquica atual da sociedade, o que a torna um importante ato de reparação histórica", reflete o aluno.
" AGORA QUE NÓS COTISTAS SOMOS MUITOS, ESTUDAMOS SOBRE NOSSA PRÓPRIA REALIDADE, NÃO SENDO APENAS OBJETOS DE ESTUDO "
TURMA DO "NÃO"
A atuação do movimento negro também foi destacada pelos alunos com um posicionamento contrário às ações afirmativas. Na opinião do estudante de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Renato Bazan, a decisão foi obviamente tomada como resultado da pressão dos interesses do movimento negro, que apenas transferiu para os ministros do STF o fardo de se retratar sobre as injustiças de 380 anos de escravidão. "O Supremo parece concordar com a diferenciação jurídica a partir da cor da pele - um argumento que, muito embora tenha sido banido formalmente da legislação brasileira há mais de um século, ainda não foi superado. O fato de o órgão jurídico mais alto do país julgar em favor dessa separação entre negros e brancos é um gigante passo para trás no processo de eliminar a ilusão de que raças existem."
O principal argumento levantado pelos alunos contrários às cotas nas universidades é que não existe "ensino para a população negra", assim como não existe "ensino para a população branca". Eles ressaltam que a única forma de resolver a deficiência de ensino entre os negros é o fortalecimento das bases do ensino público nas regiões em que somos maioria. "As diferenças só existem quanto à classe social e econômica as quais pertencem a pessoa, e a partir deste pressuposto é que poderemos discutir diferenças, pois quanto aos outros aspectos todos somos
iguais. Acredito que a deficiência de ensino entre a população negra só poderá ser resolvida quando a educação for prioridade de investimentos, tanto na infraestrutura como, principalmente, na formação de docentes", opina Vinícios Morás, estudante de Letras da Universidade Paulista (UNIP).
ASSUNTO POUCO EXPLORADO
Muitos alunos acompanharam pela mídia as discussões no Supremo Tribunal Federal e observaram como o debate seria conduzido no ambiente universitário. Keren Matos sentiu que o assunto foi pouco explorado pela mídia e pelas universidades. "Acompanhei a cobertura da imprensa sobre a decisão e observei que a mídia muitas vezes dá visibilidade a assuntos irrelevantes, cotidianos, e faz o oposto quando o assunto são as cotas. Aqui na Unipalmares, mais de 100 alunos foram até Brasília acompanhar a decisão do STF, mas o debate não foi geral. Creio que poderíamos avançar mais neste assunto."
Para Vinícios, alguns dos argumentos a favor das cotas discutidas no Supremo o surpreenderam. "Me chamou a atenção a fala da ministra Carmen Lúcia, que afirmou que mesmo não sendo a melhor opção - o melhor seria 'ter uma sociedade na qual todo mundo seja livre para ser o que quiser' - o sistema de cotas é 'uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente', e neste ponto concordo com ela", analisa o aluno, que frisa que a discussão sobre o tema na Universidade Paulista só ocorre nos cursos de licenciatura e nos relacionados à área social, embora a importância deste assunto devesse se estender para visão geral de todos os alunos.
Independente da decisão do STF, o que se pode perceber é que a discussão sobre as cotas está longe de terminar, pelo menos dentro dos muros das universidades de todo o país, mas a maioria dos alunos vê as cotas como um caminho seguro para inserir os negros no ensino superior de qualidade. Kendy Neris, estudante da UnB, adverte que a sociedade brasileira precisa resguardar os direitos dos que são segregados, oferecendo-lhes as oportunidades que lhes cabem. Esta mudança, segundo ela, já acontece na UnB. "Agora que nós cotistas somos muitos, estudamos sobre nossa própria realidade, não sendo apenas objetos de estudo. Há uma nova perspectiva científica, um novo olhar sobre a sociedade."
Raça Brasil
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