domingo, 8 de julho de 2012

Entrevista - William Rees & Mathis Wackernagel

 

William Rees e Mathis Wackernagel (Foto: Divulgação)

 

William Rees e Mathis Wackernagel, criadores da pegada ecológica, afirmam que os países ricos precisam reduzir o nível de consumo para que nações em desenvolvimento possam crescer

MARGARIDA TELLES

O planeta demora um ano e meio para repor os recursos naturais que o homem consome em 12 meses. Os responsáveis pela descoberta são o canadense William Rees e o suíço Mathis Wackernagel. Eles criaram a Pegada Ecológica, uma ferramenta que calcula a quantidade de recursos naturais que uma população consome e compara esse número com os recursos disponíveis. A dupla se conheceu quando Rees orientou Wackernagel em uma tese de doutorado. Com os resultados da pesquisa, em 1996 eles escreveram o livro Our Ecological Footprint: Reducing Human Impact on the Earth (A nossa pegada ecológica: reduzindo o impacto do homem na Terra, em português). Desde então, a metodologia da pegada ecológica passou a ser usada por governos, empresas e indivíduos que desejam reduzir o uso dos recursos naturais. Nesta semana, Rees e Wackernagel concorrem ao importante prêmio Blue Planet, voltado para pessoas cujos esforços contribuíram para resolver problemas ambientais. Em entrevista a ÉPOCA, eles falam sobre a criação da pegada ecológica, o esgotamento dos recursos naturais e como reduzir a pobreza sem devastar mais o planeta.

ÉPOCA – Como o conceito de pegada ecológica foi criado?William Rees – Cresci na fazenda do meu pai. Uma vez eu estava à mesa, olhando para a comida, e notei que havia ajudado a cultivar tudo aquilo que estava no prato. Perceber isso me fez sentir como se eu estivesse em queda livre. Vi que estava preso à terra, que dependia dela. Dez anos depois, me tornei ecologista. Quando me formei, apresentei um pequeno artigo em uma conferência. Fui chamado de lado por um economista e ele me disse que se eu continuasse trabalhando com ecologia humana a minha carreira acadêmica seria ruim, brutal e curta. Ele disse que por causa do comércio exterior e da tecnologia, nenhuma população humana seria limitada pelo ambiente. Essa conversa não saiu da minha cabeça. O economista não acreditava na capacidade de carga de um ecossistema, que é a quantidade de espécies e indivíduos que ele pode abrigar sem esgotar seus recursos. Mas como convencê-lo de que o problema era real? Se perguntarmos “quantas Terras são necessárias para comportar essa população?”, a questão fica muito mais clara.

ÉPOCA – A medição não é genérica demais?Mathis Wackernagel – Nenhuma outra ferramenta compara a demanda total com o fornecimento de recursos naturais de um lugar. Alguns criticam o nosso nível de detalhamento, porque não incluímos itens como a erosão do solo. Mas não temos esses dados concretos. Muitas críticas são mal entendidos.
ÉPOCA – Como combater a pobreza preservando as riquezas naturais?Wackernagel – Estratégias são bem polêmicas. A mais dominante é a do crescimento que acredita em recursos naturais infindáveis. Enquanto o país expande, tudo fica muito fácil, ninguém tem que abrir mão de nada. Outra abordagem é baseada em direitos. Concordo com ela, de coração, mas não chamaria de estratégia. É como esperar pelo juízo final, e dizer que um dia a Justiça será feita, as vítimas serão recompensadas e os culpados punidos. Isso nos coloca em espera. E a terceira perspectiva baseia-se em reconhecer qual é a situação e aonde queremos chegar, mesmo com aquelas limitações. Agora estamos seguindo uns aos outros de forma cega. Todos os ministros da economia do mundo estudaram nas mesmas universidades, onde eles aprendem “liquidem os seus recursos naturais, façam seu lucro crescer”. E quando surge uma crise financeira, todos têm as mesmas falhas, os mesmos problemas.
ÉPOCA – Se os países ricos consumiram os recursos para chegar ao seu nível de conforto atual, nós também não temos esse direito?
Rees –
Acredito que por isso mesmo deveríamos diminuir a pegada ecológica nos países ricos para que a dos países pobres tivesse um crescimento justificável. Mas esse é um conceito difícil, porque a maior parte das pessoas é ignorante e não vê o que isso implicaria. Temos estudos que mostram que é possível ter prosperidade e boa qualidade de vida sem crescimento em países ricos.
Wackernagel – A nossa maior mensagem é dizer para os países se comprometerem com o seu sucesso. Cada nação tem que pensar com calma e racionalidade se quer ou não liquidar a sua capacidade natural. Quais seriam as vantagens e desvantagens de fazer isso.

ÉPOCA – É possível dar conforto para 7 bilhões de pessoas sem consumir mais do que o planeta pode oferecer?
Wackernagel – Não sei qual seria a alternativa. Mas ignorar essa realidade é a abordagem mais perigosa, pois nos leva a uma economia suicida. No Rio, há 20 anos, falavam que a sustentabilidade ia comprometer as gerações futuras. Agora, 20 anos depois, vemos que compromete a gente! Nem temos que esperar mais uma geração. O mundo está mudando mais rápido do que as nossas ideias.
Rees – Acredito que é possível consumir só um planeta, mas o estilo de vida será muito diferente do que vemos hoje em qualquer país. Para começar, quase não usaremos combustíveis fósseis. Mas é possível se a gente mudar para alternativas ecológicas, melhorar o isolamento das casas, usar carros mais econômicos ou que usem outros combustíveis. Minha preocupação é que a gente espere tempo demais. Com 9 bilhões de pessoas vira quase impossível se ter uma sociedade sustentável.

ÉPOCA – Para os 7 bilhões de pessoas viverem de acordo com a capacidade da Terra, que padrão de consumo deveriam ter? Seria equivalente a media de qual país hoje?
Rees – Não consigo pensar em nenhum deles que use seus recursos de forma completamente responsável. A maior parte dos países é baseada no consumo. Por isso, acho que Cuba é um bom exemplo. Eles estão muito próximos de consumir um planeta, e se todos vivessem assim estaríamos bem.

ÉPOCA – Mas Cuba tem bastante pobreza...
Rees –
Sim, eles têm desigualdades. Mas fizeram mais a respeito disso que muitos outros países. Eles têm saúde e educação públicas muito boas, melhor que nos Estados Unidos. Outro país seria a Tailândia, próxima de um planeta. Ou a Malásia. São países que poderiam ficar mais igualitários se desenvolvessem de forma sustentável sua economia.

ÉPOCA – Se o senhor fosse um líder político de um país rico, como explicaria para a população que é preciso fazer sacrifícios em nome do desenvolvimento dos países emergentes?
Wackernagel – Acho que poucos países levam a sério essa conversa. Nosso modelo econômico atual é mais forte que uma crença religiosa, pois não existem diferentes vertentes. Na economia todo mundo acredita na mesma doutrina, que não é consistente com a realidade física. Se eu fosse o Obama (presidente americano), diria que a nossa meta é nos comprometer a construir a nossa riqueza. Temos que nos julgar todo ano, e ver se a nossa riqueza diminuiu ou não. Os discursos de muitos presidentes ainda são papo furado sobre recursos naturais. Eles falam que estão comprometidos com um PIB alto, e não com uma riqueza natural alta.
Rees – É muito difícil convencer as pessoas a parar de pensar no curto prazo, ou mesmo a assumir que temos problemas. Dei uma palestra em uma conferência e as pessoas não queriam admitir que as mudanças climáticas estão ocorrendo. Acho que temos o conhecimento e a capacidade de mudar, em termos técnicos. Mas não temos a compreensão pública e o apoio político. A maior parte de nossas políticas é promovida por corporações muito ricas.


Revista Época

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