segunda-feira, 30 de julho de 2012

Te Contei, não ? - Marcas e heranças dos falares de Jorge

RIO - Em clave negativa, e historicamente inegável, pesam sobre Jorge Amado, homem e obra, dois fardos: de um lado o mito da baianidade festeira e sexualizada ao extremo, de suas Gabrielas e Tietas e seus respectivos garanhões, da malandragem determinista, da afamada preguiça, exageros que têm motivado as leituras mais equivocadas sobre o povo baiano; do outro, a pena vendida a um dos mais sanguinários ditadores do século XX, Stálin, para quem escreveu o livro, quase uma ode, “O mundo da paz”. Esta é a parte do legado a não ser seguida
Contudo, uma das maiores contribuições de Jorge Amado para mais de uma geração de escritores, direta ou indiretamente, é a linguagem despojada, próxima ao registro popular do falar baiano. Aponto isso como conquista estilística que se integrou ao acervo da língua literária escrita no Brasil. Se outros escritores, em suas respectivas regiões, a partir da década de 1930, sob a bandeira do regionalismo, seguiram o mesmo filão, Jorge Amado, por sua vez, consegue o feito de falar ao mundo a partir também do exotismo de uma localidade, e não circunscrevê-la somente.
Necessário apontar o ganho linguístico do romancista baiano porque é fácil negá-lo depois de ter sido alcançado, pois quantos não o utilizam crendo que tal feito nasceu por combustão espontânea, sem que ninguém num primeiro momento tenha se esforçado para realizá-lo. Ignorar esse mérito é ignorar o desenvolvimento da língua literária no Brasil no século XX. Do mesmo modo, muitos dos que escrevem hoje desdenham autores, para ficarmos nos poetas, como Tomás Antônio Gonzaga, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Alphonsus de Guimaraens, por considerá-los, do alto de suas ignorâncias, ultrapassados. Por mais que maneje outros idiomas, a influência profunda que marca o estilo de um autor provém dos seus antecessores em sua própria língua. E não teríamos a complexidade da linguagem literária hoje sem o esforço e talento de toda uma tradição — pequena, é verdade, mas nossa.
Jorge Amado deu não apenas rosto, mas corpo romanesco à Bahia. Temos atualmente várias outras realidades passíveis de serem capturadas pela literatura. Mas aquele mundo por ele criado existe, com os seus personagens e tramas picarescas, sua malícia quantas vezes romantizada, mas também esclarecedora do nosso caráter. O candidato ou jovem escritor que desejar conhecer o retrato da Bahia no tempo terá impreterivelmente que ler o autor de “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água” — considerado por muitos a sua obra-prima.

João Filho é poeta e escritor baiano; participou de antologias como “Terriblemente felices”, “Nueva narrativa brasileña” e“Geração Zero Zero: Fricções em rede”

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