Ao receber o prêmio internacional Dimitrov, na Bulgária, em 1986, Jorge Amado discursou: “De mim já se disse que sou apenas um romancista de vagabundos e de putas. Honro-me com isso.” Evidente que o escritor era mais do que isso, mas a maneira como respondeu à crítica ilustrava bem sua ligação com o povo e como desejava ser visto. “A minha Bahia não é a dos ricos, é a dos despossuídos”, explicou certa vez.
— Ele falava que só tinha dois temas, Salvador e cacau —diz sua filha, Paloma Amado.
A poucos dias do seu centenário, no dia 10 de agosto, o Segundo Caderno homenageia o autor baiano com uma edição especial que mostra sua atualidade, 11 anos após sofrer uma parada cardiorrespiratória, aos 88 anos. Nas páginas a seguir, estão o amor por Zélia Gattai, que durou de 1945 até sua morte, a amizade com Dorival Caymmi e Carybé, os 38 livros que escreveu, as adaptações para TV, cinema e teatro, as homenagens e a galeria dos principais personagens que, como ele dizia, “vivem nas ruas, ladeiras e becos de Salvador, nas estradas e campos de cacau, nos latifúndios do sertão de beatos e cangaceiros.”
Sua popularidade é tamanha que, apenas desde 2008, quando a Companhia das Letras começou a relançar seus livros, “Capitães da areia” vendeu 556 mil exemplares — fora as 142 mil da edição de bolso. Sua obra já foi traduzida para 49 idiomas, em 55 países. Ele era o melhor exemplo de como ser universal falando de sua própria aldeia.
— Para ele, a miscigenação era o nosso maior patrimônio, que tínhamos de valorizar e preservar. Jorge tinha como uma de suas poucas certezas que era a mestiçagem, em todos os planos, o que nos distinguia no mundo — diz o acadêmico Alberto Costa e Silva, um dos coordenadores da coleção Jorge Amado da Companhia das Letras.
Materialista que conciliava o ateísmo com o candomblé, elegeu-se em 1945 deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro e propôs uma lei que assegurava a liberdade de culto religioso. “Jorge Amado conseguiu o absurdo de ser cético e de ser crente. Só na Bahia podia nascer um sujeito assim”, já definiu, de forma bem-humorada, outro acadêmico, Carlos Heitor Cony.
Ao sincretismo religioso somava-se a capacidade de estabelecer amizades. Amado, que se elegeu em 1961 para a Academia Brasileira de Letras, conviveu com alguns dos principais nomes do século XX, como Pablo Neruda, Picasso, Sartre e Simone de Beauvoir. Notável contador de histórias, espelho do Brasil, explicador do país, “liberador do povo brasileiro pela pena”, segundo o jornal francês “Le Monde”, ele é grande demais para caber em rótulos. Sua obra é tão vasta que desmente a profecia feita por ele mesmo numa entrevista, em 1991: “Em um país sem memória, quem morre é imediatamente esquecido. Quando eu morrer, vou passar uns 20 anos esquecido.”
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