RIO — Noite de sexta-feira na Rua Voluntários da Pátria. No trecho conhecido como Baixo Botafogo, onde centenas de pessoas bebem e jogam conversa fora em dezenas de bares. Num desses grupos está a adolescente A., de 16 anos. São 23h e, com a voz alterada pelo álcool, ela conta que está lá desde as 18h, tomando cerveja com os amigos. Já perdera a conta de quantos copos bebera.
— É ridículo o conceito de só maior de 18 anos poder beber. A escolha depende da maturidade de cada um. Bebo numa frequência demasiada, mas sei me controlar — diz A., com dificuldade para articular as palavras.
Fornecer, de qualquer forma, bebida alcoólica para menores é crime previsto no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de dois a quatro anos de prisão, mais multa. Porém, durante um mês, equipes do GLOBO percorreram redutos da Zona Sul e da Lapa e encontraram adolescentes bebendo álcool livremente.
Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou uma pesquisa feita com 61 mil pessoas de 13 a 15 anos nas capitais brasileiras. O estudo mostra que 70% já experimentaram bebidas alcoólicas e 22% já se embriagaram.
A. conta que bebe na frente dos pais constantemente. Já sua amiga Y., também de 16 anos, esconde o hábito da família.
— Comecei aos 13, mas eles não sabem. Tive porres terríveis com tequila. Uma vez, bebi tanto que faltei à escola três dias.
Na mesma noite, o estudante X. consumia uma garrafa azul de vodca com os amigos na Avenida Mem de Sá, na Lapa, antes de tentar entrar numa festa chamada “Allcool Party”.
— Bebo para ficar bêbado mesmo. Misturo cerveja, com vodca e energético — diz o garoto, de 16 anos.
Graças à pouca fiscalização e aos ambulantes vendendo bebida, fica fácil encontrar, na Lapa, adolescentes consumindo álcool. Numa noite, há cerca de duas semanas, as amigas B. e C., ambas de 17 anos, dividiam uma garrafa de vodca enquanto o som do funkeiro Naldo dava a tônica da noitada: “Vodca ou água de coco/ pra mim tanto faz/ gosto quando fica louca/ e cada vez eu quero mais”.
— Bebo tudo, sou total flex, mas faço as coisas com consciência — afirma B.
A amiga diz que é fácil comprar bebida sendo menor.
— Em bar, nunca pedem carteira de identidade. Poucos mercados cobram, mas sempre damos um jeito. Tudo o que é proibido é mais gostoso — riu C.
Em outro fim de semana, o estudante D., de 16 anos, foi visto pelos repórteres com lata de cerveja numa mão e cigarro na outra, em frente a um ambulante na Avenida Mem de Sá.
— Comecei a beber aos 13. Meu pai descobriu e conversamos bastante. Hoje, bebemos juntos — conta ele.
Numa quarta-feira, véspera de feriado, no Baixo Botafogo, cerca de dez adolescentes numa mesa se dividiam entre a turma do refrigerante e a da cerveja. Um garçom do bar disse:
— Tem menor de idade aqui. Se bater a fiscalização, quem vai ser o responsável?
No meio do grupo, o estudante F.,de 16 anos, deu uma opinião, no mínimo conflitante, sobre a facilidade com que menores compram bebida:
— Acho que nenhum lugar deveria vender. Mas isso depende da cabeça de cada um. Não vejo nenhum um mal em beber uma cervejinha. Mas tenho amigas alcoólatras, que gostam de beber até vomitar.
O promotor Rodrigo Medina, coordenador da área da infância e juventude do Ministério Público Estadual (MPE), destaca:
— Um garçom, pai, amigo maior de idade ou qualquer adulto consciente que der bebida para um menor de idade está cometendo um crime e pode ser preso. Além de aumentar a fiscalização, é preciso mais conscientização da sociedade. Nos bares, cabe aos garçons exigir documentação.
A fiscalização, diz ele,deve ser preventiva, realizada pela Vara da Infância e da Juventude e pelo Conselho Tutelar, e punitiva, promovida pela polícia. A juíza da 1 Vara da Infância e da Juventude, Ivone Ferreira Caetano, não atendeu aos pedidos de entrevista do GLOBO.
O álcool age sobre o sistema nervoso, e pode causar perda de memória, dependência e doenças como cirrose hepática, fibrose e anemia. Diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Uerj, a psicanalista Ivone Ponczek conta que 30% dos pacientes em recuperação no núcleo são menores de idade.
— O que a gente vê é um comércio indiscriminado. Até na porta de matinês para adolescentes é comum ver ambulantes vendendo cerveja. Não existe qualquer repressão — critica ela.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/proibido-para-menores-mas-nem-parece-5619146#ixzz227702bon
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