O procedimento está introjetado no consumidor carioca. Ao receber a nota em um restaurante, o cliente raramente pergunta se a taxa de serviço está incluída. Na soma total, essa parcela vem sempre discriminada a mão e, ato contínuo, é paga pelo freguês. Porém, do que ele não desconfia é que nem sempre o valor é repassado à turma da bandeja. Se o freguês perguntar ao garçom se ele tem recebido os 10% que lhe são destinados, vai se surpreender com a quantidade de respostas negativas. Diversos estabelecimentos da cidade recolhem a tarifa cheia e quando muito transferem apenas uma pequena parte aos empregados. Na Rua Dias Ferreira, no Leblon, onde fica um dos polos gastronômicos mais badalados do Rio, a prática parece corriqueira. Os funcionários dos restaurantes Zuka, Togu e Minimok e do bar de tapas Venga!, por exemplo, se queixam de não receber a taxa. Perto dali, na Gávea, o restaurante 00 também adota uma política questionável com relação à caixinha. Em grandes redes de churrascarias, como Porcão e Carretão, a insatisfação se repete. "Em muitos casos, o empregador usa os 10% para pagar os salários. Como os pagamentos são quase sempre feitos com cartão, apenas o dono e o gerente têm controle sobre a gorjeta", diz Antonio Francisco dos Anjos, presidente do Sindicato dos Garçons, Barmen e Maîtres do Rio de Janeiro.
O aumento de reclamações que a entidade classista vem recebendo é um indicativo de que essa maneira de agir está mais difundida do que se imagina. Em 2011, houve 968 ações trabalhistas movidas por empregados de restaurantes 40% mais que no ano anterior. Desse total, nove em cada dez queixas diziam respeito à falta de repasse da taxa de serviço, que varia de 10% a 12%, a critério do estabelecimento, podendo chegar à faixa de 15% em alguns casos. Vale destacar que, na falta de uma regulamentação específica sobre o tema, a gorjeta é facultativa. Em tese, trata-se de cortesia do cliente, que só deve dar a bonificação caso se sinta satisfeito com o atendimento. O principal problema dessa história é ele achar que foi ludibriado, pois ao incluir os 10% no pagamento deduz que o valor vai integralmente para quem o serviu de forma atenciosa - e não para o caixa do restaurante.
Com piso salarial de 685 reais, os garçons do Rio chegam a quintuplicar seus ganhos graças ao que recebem de gorjeta. Se estão no lugar certo e na hora certa, podem ganhar muito mais. O maître Atagerdes Alves, do sofisticado Gero, em Ipanema, relata que certa vez embolsou 10 000 reais, dados de lambuja por um cliente. Uma pechincha em comparação com os 30 000 reais que o jogador Fred doou a seu fiel garçom de uma churrascaria ipanemense a título de caixinha de fim de ano. "Aqui, não recebemos nem um centavo dos 10%", afirma um funcionário do Zuka. A casa, que tem uma filial na Barra, por sua vez, nega a afirmação e garante repassar o valor integral aos contratados. Poucos são os empresários que admitem se apoderar da gorjeta. Uma dessas exceções é Denise Preciado, proprietária do Togu, especializado em culinária japonesa. Ela reconhece que não divide o valor com sua equipe. "Eu pago um dos salários mais altos do setor, e com isso eles não sofrem com a oscilação na baixa temporada", diz. "Existe uma competitividade entre os garçons quando você dá a eles a gorjeta. Todos querem pegar as melhores mesas. Quero uma equipe em que todos se ajudem." No vizinho Minimok, que possui filiais em Ipanema e na Barra, onde também há a mesma reclamação, o sócio Eduardo Preciado - por coincidência, irmão de Denise - nega a denúncia. "Além de dar a eles um plano de saúde, pago até mais do que 10% para todos, inclusive para o gerente e o pessoal da cozinha", declara. Que motivo os funcionários teriam, então, para mentir? "Eles querem voltar para casa com dinheiro no bolso, sem dividir a gorjeta com os colegas. Pura malandragem."
A questão é controversa até mesmo entre os empresários. Na capital fluminense, que reúne 20 000 profissionais da bandeja, há casos exemplares de patrão. Funcionários da Confeitaria Colombo, do Giuseppe Grill e do tailandês Sawasdee aplaudem a política dessas casas, que fazem questão de apresentar planilhas com informações detalhadas sobre a divisão do dinheiro. Na França, onde na década de 70 os restaurantes cobravam 17% de gorjeta, o esquema mudou. Hoje, o serviço está embutido no preço dos pratos. "Quando você não cobra diretamente, as pessoas se sentem à vontade para dar mais. Quem ganha com isso é o garçom", afirma o chef francês Olivier Cozan, que saiu recentemente do bistrô Bretagne. Dois projetos de lei no Congresso Nacional propõem estabelecer regras para a bonificação. Um deles quer tornar obrigatória a cobrança, enquanto o outro é mais ousado: pretende enquadrar no crime de apropriação indébita o empregador que não repassar a gorjeta aos garçons, com pena de um a quatro anos de reclusão. "Pela lei, inclusive, ela deveria constar no contracheque, para que o funcionário tivesse direito aos benefícios trabalhistas, e não ser paga por fora", pondera João Carlos Teixeira, procurador da Justiça do Trabalho. Nesta época de incertezas, o melhor a fazer é retroceder aos tempos pré-cartão de crédito e pagar os 10% em espécie diretamente ao garçom.
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