O nível de dióxido de carbono na atmosfera, medido desde 1959, bateu seu recorde em 2011. Esse é um dos principais indicadores do aumento dramático dos gases de efeito estufa devido à queima de combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, a camada de gelo do Ártico perde 100.000 quilômetros quadrados por ano, e o nível do mar subiu 10 centímetros no último século, numa velocidade tão inesperada quanto perigosa para o futuro do planeta. A influência da ação humana no clima da Terra deixou de ser uma hipótese científica há algum tempo. No entanto, a questão climática parece ter perdido a urgência que tinha há alguns anos. O tímido documento aprovado ao final da Rio+20 e a ausência de muitos líderes importantes na conferência – o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o mais destacado entre todos – são apenas os sinais mais eloquentes e recentes da perda de fôlego político do movimento para conter o aquecimento global.
Depois de ser eleito em 2008 com uma agenda ambiciosa de transformação dos EUA numa economia verde, Obama preferiu, em vez de se deslocar até o Rio de Janeiro, cuidar da campanha pela reeleição. Obama enfrenta uma dura disputa com o Partido Republicano, que aglutina os principais porta-vozes do movimento de negação da interferência humana nas mudanças climáticas. No Brasil, o movimento dos céticos do clima é pequeno e representado por minorias de estudiosos, em geral de pouca projeção. No mês passado, às vésperas da Rio+20, 18 deles enviaram uma carta manifesto à presidente Dilma, em que contestam a responsabilidade humana pelo aquecimento da Terra. A repercussão do documento ficou limitada às redes sociais. Nos EUA, porém, o ceticismo climático ganhou visibilidade a ponto de patrocinar propagandas em outdoors, organizar passeatas antiambientalistas e virar tema de debates políticos na TV.
Quais são as razões da ofensiva dos céticos? A primeira razão está relacionada à crise econômica que atinge os EUA e a Europa desde o crash financeiro de 2008. Num momento em que as pessoas estão preocupadas com o pagamento de suas dívidas ou com a perspectiva de desemprego, o aumento do nível dos mares deixa de parecer uma questão tão perturbadora, e o ardor ambientalista diminui. No Reino Unido, em 2007, logo depois da divulgação de um estudo encomendado pelo governo britânico ao economista Nicholas Stern com previsões sobre os efeitos das mudanças climáticas na economia global, 19% das pessoas diziam que o aquecimento do planeta era um dos assuntos mais urgentes para o país. Em 2011, apenas 4% diziam o mesmo. “A questão climática está sendo relegada a segundo plano”, diz o economista Manish Bapna, do World Resources Institute (WRI).
Outro motivo para o fortalecimento do ceticismo climático é o alarde exagerado que se fez em torno do aquecimento global, há cerca de dez anos. Alguns acadêmicos cunharam a expressão “climagate” – uma alusão irônica ao escândalo de Watergate – para criticar o estrépito criado. “O bombardeio de anúncios apocalípticos, que inicialmente seria positivo para chamar a atenção da população, acabou gerando superexposição e insensibilidade nas pessoas”, afirma o cientista britânico Martin Parry, professor do Centro de Política Ambiental do Imperial College London e membro do IPCC (iniciais em inglês para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Diante de cenários tão catastróficos, parte da população, segundo Parry, desconfiou que algo poderia estar errado. Recentemente, um dos patriarcas da questão climática, o cientista inglês James Lovelock, reconheceu que errara em várias de suas previsões sobre o planeta. Lovelock apenas adotou um tom mais moderado sobre o aquecimento, mas seu mea-culpa serviu para dar mais alento aos céticos.
Uma terceira razão para o avanço dos céticos é o próprio estágio do debate sobre o clima. Hoje, a influência do homem no aquecimento global é consenso entre os principais cientistas. Os céticos se agarram às poucas dúvidas que ainda restam, como uma possível atenuação do efeito estufa pelo comportamento das nuvens. Richard Lindzen, professor de meteorologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é o principal formulador da teoria. Ele diz que, num planeta em aquecimento, uma menor cobertura por nuvens altas nos trópicos permitirá que mais calor escape para o espaço. “Hoje, a discussão principal é sobre o que deve ser feito para minimizar os efeitos do aquecimento global, uma questão política e econômica”, diz o economista Bapna. Nesse estágio, questões como o grau de intervenção do Estado, a regulação das atividades econômicas e a distribuição dos recursos interferem no debate. Os lobbies também mobilizam suas forças para influenciar a opinião pública e as negociações diplomáticas.
Um exemplo da contaminação política do debate sobre o clima se dá nos EUA. Lá, em geral, os céticos são pessoas mais refratárias a mudanças e se alinham com o Partido Republicano. Os ambientalistas se identificam com o Partido Democrata. Essa polarização é corroborada por várias pesquisas.
Aaron McCright, da Universidade Estadual de Michigan, e Riley Dunlap, da Universidade Estadual de Oklahoma, descobriram que o grupo dos céticos é composto majoritariamente de homens brancos, conservadores, com mais de 40 anos, que se autodeclaram confiantes – perfil dos eleitores republicanos. Num estudo divulgado pela revista científica Climatic Change, o psicólogo britânico Adam Corner, pesquisador da Universidade Cardiff, sustenta que a opinião de alguém sobre as mudanças climáticas depende mais de sua visão de mundo que da capacidade de entender o fenômeno cientificamente. “É a ideologia que torna o sujeito cético – e não a ciência”, afirma Corner. Mesmo nas controvérsias regidas pela ciência, é a política que determina o rumo do debate.
Outro motivo para o fortalecimento do ceticismo climático é o alarde exagerado que se fez em torno do aquecimento global, há cerca de dez anos. Alguns acadêmicos cunharam a expressão “climagate” – uma alusão irônica ao escândalo de Watergate – para criticar o estrépito criado. “O bombardeio de anúncios apocalípticos, que inicialmente seria positivo para chamar a atenção da população, acabou gerando superexposição e insensibilidade nas pessoas”, afirma o cientista britânico Martin Parry, professor do Centro de Política Ambiental do Imperial College London e membro do IPCC (iniciais em inglês para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Diante de cenários tão catastróficos, parte da população, segundo Parry, desconfiou que algo poderia estar errado. Recentemente, um dos patriarcas da questão climática, o cientista inglês James Lovelock, reconheceu que errara em várias de suas previsões sobre o planeta. Lovelock apenas adotou um tom mais moderado sobre o aquecimento, mas seu mea-culpa serviu para dar mais alento aos céticos.
Uma terceira razão para o avanço dos céticos é o próprio estágio do debate sobre o clima. Hoje, a influência do homem no aquecimento global é consenso entre os principais cientistas. Os céticos se agarram às poucas dúvidas que ainda restam, como uma possível atenuação do efeito estufa pelo comportamento das nuvens. Richard Lindzen, professor de meteorologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é o principal formulador da teoria. Ele diz que, num planeta em aquecimento, uma menor cobertura por nuvens altas nos trópicos permitirá que mais calor escape para o espaço. “Hoje, a discussão principal é sobre o que deve ser feito para minimizar os efeitos do aquecimento global, uma questão política e econômica”, diz o economista Bapna. Nesse estágio, questões como o grau de intervenção do Estado, a regulação das atividades econômicas e a distribuição dos recursos interferem no debate. Os lobbies também mobilizam suas forças para influenciar a opinião pública e as negociações diplomáticas.
Um exemplo da contaminação política do debate sobre o clima se dá nos EUA. Lá, em geral, os céticos são pessoas mais refratárias a mudanças e se alinham com o Partido Republicano. Os ambientalistas se identificam com o Partido Democrata. Essa polarização é corroborada por várias pesquisas.
Aaron McCright, da Universidade Estadual de Michigan, e Riley Dunlap, da Universidade Estadual de Oklahoma, descobriram que o grupo dos céticos é composto majoritariamente de homens brancos, conservadores, com mais de 40 anos, que se autodeclaram confiantes – perfil dos eleitores republicanos. Num estudo divulgado pela revista científica Climatic Change, o psicólogo britânico Adam Corner, pesquisador da Universidade Cardiff, sustenta que a opinião de alguém sobre as mudanças climáticas depende mais de sua visão de mundo que da capacidade de entender o fenômeno cientificamente. “É a ideologia que torna o sujeito cético – e não a ciência”, afirma Corner. Mesmo nas controvérsias regidas pela ciência, é a política que determina o rumo do debate.
Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário